segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

PISA: regulação, avaliação, orientação?

Na esfera da educação, existe claramente a necessidade da existência da regulação e de processos avaliativos que para ela contribuam, com vista à melhoria dos nossos sistemas educativos, de forma geral, e das escolas, em particular. Diria que sem ambas correr-se-ia o risco de se instalar o caos ou a anarquia, sobretudo no que diz respeito à garantia de um ensino inclusivo, com igualdade de oportunidades no acesso à aprendizagem, na lógica de uma escola de todos e para todos.

O PISA, tal como nos diz Schleicher, “é um exemplo de como um instrumento de avaliação pode despoletar a mudança” e “ajuda a regular, a avaliar, a (re)formular, a refletir e a (re)desenhar políticas educacionais.” O que me perturba é o peso, o grau de importância atribuído aos resultados desta regulação/avaliação transnacional, por vezes assentes em leituras fáceis e simplistas, sobretudo por parte dos órgãos de comunicação social que, quer queiramos quer não, são também eles elementos reguladores do sistema educativo.
 

Assim, não posso deixar de concordar com Schleicher quando nos diz que é necessária a introdução de outras formas de investigação, pois não me parece que os resultados obtidos pelos alunos sejam, por si só, suficientes para se poderem retirar conclusões consistentes sobre as tomadas de decisão necessárias no seio do sistema educativo de cada país, que terão sempre de tomar em linha de conta uma perspetiva ecossistémica de influências contextuais constantes.

Os resultados do PISA são bem conhecidos, sendo que a Finlândia foi, durante anos, apontada como exemplo a adotar pela qualidade do seu sistema educativo. Contudo, se a "receita" fosse fácil de seguir, seria simples... bastava copiar e, se possível, melhorar! Mas a verdade é não é. Os resultados de um sistema educativo não dependem apenas das escolas, nem dos intervenientes no processo de aprendizagem: "While the education system is responsible for giving students the opportunities for educational achievement, other government policies also need to be aligned to ensure student success."(1)

Tal como referido no documento "New Vision for Education: Unlocking the Potential of Technology" do WEFUSA, as diferentes conjunturas nacionais não podem ser ignoradas. Existem fatores que condicionam os resultados, tais como os contextos político, económico e social, culturalmente enraizados em anos de história. E creio que também nisto estamos todos de acordo. Será esse o problema português?

Relembro o que diz Ramos (2007). De acordo com o autor, os "fatores bloqueadores do sistema" são outros bem diferentes: "O sistema educativo português vem sistematicamente bem classificado nas tabelas internacionais no que ao investimento per capita diz respeito, mas a situação muda por completo quando o critério de classificação diz respeito aos resultados. O problema não parece residir na falta de recursos financeiros, mas sim ao nível da organização, onde problemas como a falta de estabilidade dos programas e dos corpos docentes, a escassa participação das famílias, entre outros, actuam como factores bloqueadores do sistema. Neste momento parece existir uma fractura entre a sociedade e o sistema educativo, devida em grande parte aos fracassos evidentes dos sucessivos ensaios de novas soluções e ao cansaço e descrédito público daí resultante."

O vídeo "The Finland Phenomenon" apresenta-nos precisamente uma antítese ao supracitado, sendo o sistema educativo finlandês tradicionalmente descentralizado e com uma forte aposta na autonomia e na garantia de equidade e igualdade de acesso à educação, a qual é considerada o bem nacional mais precioso, sendo valorizada pelo Estado e pelas famílias. Verifica-se ainda uma grande confiança nos profissionais da educação, na certeza de uma formação docente de grande qualidade.



Segundo a ministra da Educação Finlandesa, “Os professores são o segredo do modelo de educação", apontando os mesmos como a chave do sucesso finlandês. Além disso, destacam-se ainda as práticas pedagógicas centradas no aluno, com espaços e tempos nas escolas também para “brincar”.

(clicar para aceder)

De facto, é inegável que o sucesso do sistema educativo finlandês se encontra alicerçado na qualidade de formação dos professores. O corpo docente finlandês surge como altamente competente e motivado, existindo uma seleção rigorosa dos candidatos à docência, baseada não só na excelência dos resultados académicos mas também no perfil individual.


Sabemos que a situação é bem diferente no nosso país, pese embora, nos resultados da edição 2018 do PISA, Portugal surja como um dos países a registar uma maior evolução positiva. De referir ainda que a China assumiu neste ano o primeiro lugar do ranking, possuindo um sistema educacional que tem como características principais o rigor, a competitividade e a disciplina, sendo alicerçado numa estrutura de seleção elitista em que a pressão da avaliação é constante. É obrigatório e gratuito, a nível público, apenas até aos 15 anos, proliferando o ensino privado: um sistema educativo bem diferente do finlandês.

Qual, então, o denominador comum entre estes dois países? O investimento na educação, a formação docente, a valorização da carreira de professor e a aposta na autonomia do aluno enquanto construtor da sua própria aprendizagem.

Assim, parece-me que urge uma discussão séria, profunda e honesta sobre o futuro da educação no nosso país, sobretudo no que à carreira de professor diz respeito.

Referências
(1) OECD (2012), Equity and Quality in Education: Supporting Disadvantaged Students and Schools, OECD Publishing. (acessível em http://dx.doi.org/10.1787/9789264130852-en)

Ramos, C. (2007). Aspetos Contextuais dos Sistemas Educativos. Lisboa: Universidade Aberta.




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A avaliação dos sistemas educativos

No último post aqui publicado, referi que os modelos pós-burocráticos, pela multiplicidade de atores, encerram em si uma multirregulação, sendo que Barroso (2005b) considera a existência de 3 níveis: transnacional, nacional e micro-regulação (p.67), com vista ao controlo de resultados e de procedimentos coexistente com um certo grau de autonomia administrativa e pedagógica. 

Segundo o autor, a regulação transnacional consiste no conjunto de normas, discursos e instrumentos que são produzidos e circulam nos fóruns de decisão e consulta internacionais, no domínio da educação e que resultam, por vezes, de estruturas supranacionais como a União Europeia (p.68). Quanto à regulação nacional, entende-se como o modo como as autoridades públicas (…) exercem a coordenação, o controlo e a influência sobre o sistema educativo, orientando através de normas, injunções e constrangimentos o contexto da ação dos diferentes atores sociais e seus resultados. (idem, p.69) Já a microrregulação pode ser definida como o processo de coordenação da ação dos atores no terreno que resulta do confronto, interação, negociação ou compromisso de diferentes interesses, lógicas, racionalidades e estratégias em presença quer, numa perspetiva vertical, entre administradores e administrados, quer numa perspetiva horizontal, entre os diferentes ocupantes dum mesmo espaço de interdependência (intra e inter organizacional) – escolas, territórios educativos, municípios, etc. (idem, pp.70-71). 

Considerando o contexto educativo atual, e alicerçados num olhar (também) empírico, creio podermos afirmar que a regulação se encontra intimamente relacionada com os processos de avaliação, constituindo estes atos reguladores dos sistemas educativos. De facto, a avaliação, enquanto mecanismo/instrumento de aperfeiçoamento e de melhoria com vista ao desenvolvimento das organizações, tem vindo a assumir, em todas as áreas, inclusive ao nível das políticas públicas, uma ênfase inegável. A educação não constitui exceção a esta generalização, quer no cenário europeu, em geral, quer em Portugal, em particular. A crescente descentralização das políticas educativas na Europa conducentes a uma maior autonomia das escolas faz com que, por um lado, as organizações educativas/escolas sintam necessidade de conhecer as suas fragilidades e pontos fortes, ou seja, o seu estado ao nível do funcionamento, sendo que a avaliação pode contribuir sobremaneira para a melhoria do funcionamento da organização, ou seja para o desenvolvimento da qualidade dos serviços prestados (Chainho e Saragoça, 2014: p.27). Por outro lado, como nos diz Roggero (2002), no quadro ideológico das duas últimas décadas, a avaliação apareceu como uma exigência conduzida pela sociedade ao sistema educativo (p.38) numa lógica de accountability e em conformidade com o New Public Management, assentando a mesma em três imperativos da nova governança: o sector público deve fazer prova da sua eficácia; a comunidade tem o direito de controlar a utilização dos fundos públicos; os utentes têm direito à informação (Demailly et al, 1998:75-76) (Simões, 2010: p.25). 

Assim, em nome da eficácia e da concorrência, as autoridades políticas nacionais instalaram procedimentos de avaliação em seus sistemas educativos, tornando-se evidente a transposição e domínio da lógica do consumidor e do interesse privado para o domínio público e a substituição do utente pelo cliente (Roggero, 2002: p.33), o chamado neoliberalismo educativo, com a tentativa de criação dos mercados ou quase-mercados educativos de que nos fala Barroso (2005a) e que, em última instância, se afiguram como ameaça à igualdade e à equidade na educação. 

Voltando à questão da avaliação dos sistemas educativos nesta Europa “unida na diversidade”, diz-nos Roggero (2002) que se verificam algumas evoluções comuns, como o desenvolvimento da pré-escolarização, o aumento e a feminilização da população estudantil, o envelhecimento do corpo docente, o aumento médio das despesas com educação, a autonomização crescente dos estabelecimentos, a integração das tecnologias da informação nas práticas pedagógicas e a generalização da avaliação. (p.32) Contudo, a forma e modalidade com que esta se concretiza estará sempre relacionada com a especificidade de cada sistema. Ainda assim, o autor aponta três modelos de sistemas de avaliação educativa: o inglês, o francês e o finlandês, apesar de reconhecer que os três exemplos não bastariam para não bastariam para representar a totalidade dos sistemas de avaliação da União Européia, sendo que as suas virtudes residem no fato de que eles encarnam modelos de avaliação típicos tanto de suas modalidades quanto de sua inspiração.(p.37). Neste ponto, e tendo em conta o referido acima acerca do neoliberalismo educativo, gostaria de destacar o sistema finlandês, com o qual confesso identificar-me, e que se caracteriza pelo reconhecimento da igualdade como objetivo essencial do sistema educativo. Em outros termos, a pesquisa da eficácia da escola se julga também pela capacidade de reduzir as desigualdades sociais no acesso ao saber. (idem: p.36) 

Neste contexto, relembro os três níveis de regulação propostos por Barroso (2005b), referidos logo no início desta minha intervenção: transnacional, nacional e local, consubstanciados (também) em processos avaliativos assentes, sobretudo, em resultados (foco no produto e não no processo nem no contexto), pese embora alguns integrem variáveis contextuais relacionadas com indicadores demográficos, socioeconómicos e educacionais. 

Assim, não posso deixar de concordar com Roggero, quando este afirma: Questionado sobre as origens da economia monetária, Simmel (1987) escreveu que a faculdade de cálculo é a essência do mundo moderno – a avaliação como é geralmente praticada hoje na Europa ilustra plenamente esta asserção. Pelos indicadores essencialmente quantitativos, orienta-se a ação educativa para uma racionalização, permitindo maior eficácia. (p.39). Senão vejamos...

Creio ser possível apontar como instrumento de avaliação ao nível transnacional aquele que é considerado o mais poderoso do mundo: o PISA. Andreas Schleicher advoga que o teste possibilita “uma consciencialização dos países sobre as performances dos seus alunos relativamente aos alunos de outros países, assim como uma melhor perceção do sucesso/insucesso dos seus sistemas educativos para responderem às disparidades sociais”, referindo a “equidade na distribuição das oportunidades de aprendizagem”. Admitindo-se que assim é, a verdade é que o próprio Schleicher concede que “o teste PIZA é um instrumento da OCDE que serve para avaliar os sistemas educativos de diferentes países em redor do mundo, comparando-os entre si, de modo a alcançar-se uma compreensão mais aprofundada dos fatores e contextos que fazem com que alguns países se destaquem de outros, por apresentarem melhores resultados no que diz respeito ao desempenho dos seus estudantes na leitura, na matemática e nas ciências, assim como relativamente às competências necessárias aos seus futuros laborais.” (sublinhado meu) 
E eu questiono:

1) Como se podem estabelecer metas comuns para países que implicam realidades tão distintas, conjunturas tão diferentes, contextos culturais e económicos tão díspares? 

2) Passarão as “competências laborais” apenas pela leitura, pela matemática e pelas ciências? E as áreas das expressões? E a cidadania? E os valores? E as soft skills

Embora considere o PISA e os seus resultados interessantes, não posso evitar de o considerar algo redutor, pelo foco em variáveis mensuráveis limitadas. 

No que diz respeito ao nível nacional, surge igualmente a ênfase nos números, nos indicadores quantitativos. Relembro os exames nacionais, os rankings das escolas, as provas de aferição, a avaliação externa… independentemente das NUTS e das variáveis de contexto que, embora possam aproximar-se, jamais serão idênticas! 

Relativamente ao nível local, destaco o processo de avaliação das escolas, vulgo autoavaliação. Menos numérico, implica uma autorregulação alicerçada numa reflexão que visa a mudança, a melhoria sustentada, a superação dos pontos fracos detectados (Chainho e Saragoça, 2014:p.33) através da implementação de práticas e estratégias alinhadas com os objetivos a alcançar. 

Assim sendo, termino com um aplauso a Roggero (2002) quando este afirma que: Considerando o sistema educativo ou uma organização educativa como um sistema complexo, (…) tomamos consciência de que ele depende de sua história (re), dos relacionamentos com seu meio ambiente (eco) e de sua identidade interna (auto). Toda ação de avaliação deveria, desde já, levar em conta essas dimensões essenciais que não saberíamos avaliar unicamente por indicadores de performance. (p.43)

Referências bibliográficas:
Barroso, J. (2005a). "O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas", in Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, pp. 725-751, Especial Outubro.

Barroso, J. (2005b). Políticas Educativas e Organização Escolar. Lisboa, Universidade Aberta.

Chainho, C., & Saragoça, J. (2014). Avaliação da Qualidade das Escolas: Mecanismos de Regulação e Lógicas de Ação dos Atores Escolares. In Atas do IV Encontro de Tróia Qualidade, Investigação e Desenvolvimento, pp. 27-39 http://hdl.handle.net/10174/12577

Roggero, P. (2002). "Avaliação dos sistemas educativos nos países da União Europeia: de uma necessidade problemática a uma prática complexa desejável", in EccoS Rev. Cient. nº 2, v. 4, pp.31-46. São Paulo: UNINOVE.

Simões, G. (2010). Auto-avaliação da escola: regulação de conformidade e regulação de emancipação. Tese de Doutoramento. Lisboa: U. Lisboa - Instituto de Educação. http://hdl.handle.net/10451/3067


A Regulação dos sistemas educativos

A questão da interpretação e regulação dos sistemas educativos reveste-se de uma imensa complexidade, obrigando a diversas pesquisas, leituras secundárias e um grande esforço de estruturação mental para conseguir organizar conceitos, ideias e timelines… isto porque, ainda que nos limitemos a um olhar sobre a Europa, a singularidade é a palavra de ordem, pois, tal como nos diz Roggero (2002), (…) como Durkheim, o primeiro sociólogo da educação, podemos afirmar que existem tantos sistemas de educação quanto de sociedades. (p.32)

Pese embora esta diversidade, são vários os autores/investigadores que apontam convergências, sendo que algumas delas giram em torno de termos como “(des)concentração”, “(des)centralização” e “autonomia”. Numa perspetiva histórica, parece ser legítimo afirmar que alguns países europeus (sobretudo no norte do continente), como a Finlândia e o Reino Unido, afiguram-se como tradicionalmente descentralizados, contrariamente a outros países, como Portugal, predominantemente centralistas.

No entanto, a partir de meados do século passado, verifica-se um desenvolvimento generalizado ao nível da educação na Europa, a que o nosso país não ficou alheio. Assim, a partir da década de 80, no campo da Educação o discurso reformista tradicional deu lugar a um discurso jurídico normativo e político, que a par das novas correntes do pensamento pedagógico e educativo, acompanha o pensamento reformista da administração e as tendências de descentralização registadas na Europa. (Ramos, 2001:55)

Foi, pois, nesta altura que o nosso país se deixou influenciar pelo espírito de uma nova cultura desvinculada da burocracia, preconizando como princípios organizativos da Administração do sistema a descentralização/desconcentração, a autonomia e a participação comunitária. (idem:25) Considera-se determinante o ano de 1986, data em que se deu início à reforma educativa através da promulgação da LBSE, passando a administração pública a assumir um novo papel, assegurando uma interligação com a comunidade, mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, das entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda das instituições de carácter científico. (idem:16) Ainda no mesmo ano, assiste-se à institucionalização do CNE, garantindo uma participação alargada de diversas forças acima referidas no que toca à política educativa portuguesa, abrindo-se, assim, um novo ciclo em que a Administração escuta os diferentes interesses pelas vias da consulta, planificação conjunta, negociação pública e outras formas não experimentadas, mas que o modelo pode induzir. (idem:50) Neste contexto de mudança, em que se perspetiva uma maior participação social, surge então um novo modelo de regulação administrativa e, consequentemente, um novo quadro de regulação das políticas de Administração da Educação. (idem:25)

O conceito de regulação reveste-se de alguma complexidade pela sua polissemia, estando, no contexto educativo, intrinsecamente ligado ao contexto (histórico, social, económico, administrativo e até linguístico). Segundo Barroso (2005a), a regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema e compreende, não só, a produção de regras (...) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras. Assim sendo, existe uma pluralidade de fontes (…), de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias. (p.733)

Conclui-se, pois, que, fruto de heterogeneidades incontornáveis, a regulação do sistema educativo não pode ser encarada como algo singular, elementar ou previsível... pelo contrário, trata-se de um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra sobre acção dos “regulados”. (idem:733-734) Assim, reconhecendo as múltiplas regulações a que o sistema educativo se encontra sujeito, não só institucionais (por parte do estado e da administração), mas de outros agentes sociais (como pais e professores, por exemplo), diz-nos o autor que o termo multirregulação será o mais acertado, sendo o resultado final consequência da interação dos vários dispositivos reguladores, tendo-se sempre em conta que Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de diferentes grupos de actores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objectivos e poderes. (idem:734)

Ora, esta complexidade e multiplicidade de processos de regulação do sistema educativo, por vezes contraditórios e incompatíveis, torna bastante improvável o sucesso de qualquer estratégia de transformação baseada num processo normativo de mudança, como são as reformas (ibidem). Daí que, muitas vezes, e porque nem tudo é alterável por decreto, se verifique um paradoxo entre o plano concetual e a praxeologia, (Ramos, 2002:44). E é precisamente esta contradição, creio eu, que deveria constituir a maior preocupação das entidades de um país que, neste momento, deseja investir na inovação, diria até numa revolução ao nível da forma de ensinar e de aprender, o cerne de todo e qualquer sistema educativo!


Numa perspetiva europeia, e apesar das características distintas inerentes aos sistemas educativos de cada país, parece existir uma conformidade no que diz respeito ao modelo de regulação das políticas educativas até à década de 80. De acordo com Barroso (2005a), o estudo Reguleducnetwork (2004), que abrangeu cinco países europeus (Bélgica, França, Hungria, Portugal e Reino Unido - Inglaterra e País de Gales), permitiu concluir a existência de um modelo de regulação comum, o modelo burocrático-profissional, o qual se baseava numa “aliança” entre o Estado e os professores, combinado uma regulação “estatal, burocrática e administrativa” com uma regulação “profissional, corporativa e pedagógica”. Ainda segundo o autor, As políticas actuais caracterizam-se por uma oposição a este modelo, dando lugar aos modelos designado por pós-burocráticos, os quais se organizam em torno de dois referenciais principais: o do “Estado avaliador” e o do “quase-mercado” e se alicerçam em características convergentes: autonomia das escolas, diversificação da oferta escolar, equilíbrio entre centralização e descentralização, avaliação externa e “livre escolha” da escola. (p.737)

No entanto, Barroso chama a atenção para o facto (evidente!) destas convergências não implicarem políticas educativas totalmente idênticas, existindo desvios a diversos níveis de acordo com a especificidade de cada contexto nacional (político, económico, social, histórico…) e que resultam da hibridação dos novos modos de regulação com a situação existente; dos processos de sedimentação legislativa e das lógicas políticas aditivas. (idem:738) Estes modelos pós-burocráticos, pela multiplicidade de atores, encerram em si a supramencionada multirregulação, sendo que o autor (2005b) considera a existência de 3 níveis: transnacional, nacional e micro-regulação (local: municípios e escolas) (p.67), com vista ao controlo de resultados e de procedimentos coexistente com um certo grau de autonomia administrativa e pedagógica e que apontam, claramente, para processos de avaliação enquanto atos reguladores dos sistema educativos. 

Ref.bibliográficas

Barroso, J. (2005a). "O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas", in Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, pp. 725-751, Especial Outubro.

Barroso, J. (2005b). Políticas Educativas e Organização Escolar. Lisboa, Universidade Aberta.

Ramos, C. (2001). "Regulação dos Sistemas Educativos - O Caso Português", in Os processos de autonomia e descentralização à luz das teorias de regulação social: o caso das políticas públicas de Educação em Portugal (Tese de Doutoramento). Monte de Caparica: FCT/UNL.

Roggero, P. (2002). "Avaliação dos sistemas educativos nos países da União Europeia: de uma necessidade problemática a uma prática complexa desejável", in EccoS Rev. Cient. nº 2, v. 4, pp.31-46. São Paulo: UNINOVE.



sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Aprendizagem ao Longo da Vida


O século XX foi palco de uma série de eventos históricos, sociais, económicos e culturais que, aliados ao surgimento da “autoestrada da informação” e ao desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, conduziram ao fenómeno da chamada “globalização”. Abriu-se caminho à “aldeia global” do século XXI, à sociedade em rede, à sociedade da informação e do conhecimento, de fronteiras esbatidas e conexões infinitas.

Este fenómeno teve (e tem!), indubitável e inevitavelmente, repercussões e implicações na área da educação e formação. As mudanças vertiginosas em várias áreas, sobretudo ao nível da tecnologia, desenham um mundo metamórfico e imprevisível, que obriga cada um de nós a enfrentar e superar, a cada dia, novos desafios que exigem novas competências, novos conhecimentos, novos saberes, num estado de permanente (re)adaptabilidade, sobretudo no que à esfera laboral diz respeito. O mundo do trabalho, tal como o conhecíamos no passado, chegou ao fim. A noção de outrora de “emprego para a vida” acabou. Tornou-se/torna-se, assim, imperativo que os sistemas educativos dêem resposta a este cenário, abraçando um paradigma que prepare os indivíduos para a nova realidade de competição global, formando cidadãos competentes (a vários níveis), informados, ativos e participativos.

Com esta consciência, no início do novo milénio é aprovado, pelo Conselho Europeu em Lisboa (março de 2000), um plano de desenvolvimento estratégico para a década seguinte, conhecido como a Estratégia de Lisboa. Com o objetivo estratégico de “tornar-se na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”(*1), assegurou implicações em termos de educação e formação, nomeadamente no toca ao “reforço da importância atribuída a esta área e ao seu papel no desenvolvimento global das sociedades” e “à necessidade de adaptar os sistemas de educação e formação na Europa às exigências de uma sociedade baseada no conhecimento”. Delinearam-se, assim, 3 objetivos estratégicos: “aumentar a qualidade e eficácia dos sistemas dos sistemas de educação e formação na EU; facilitar o acesso de todos aos sistemas de educação e formação; abrir ao mundo exterior os sistemas de educação e de formação(*2), os quais visavam permitir o desenvolvimento e aquisição dos conhecimentos, competências e aptidões essenciais não só ao nível da formação inicial, mas ao longo da vida.

Alicerçada nestes objetivos, surge a Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de Dezembro de 2006 sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida (2006/962/CE), onde é recomendado aos estados membros da UE que “desenvolvam competências essenciais para todos no contexto das respectivas estratégias de aprendizagem ao longo da vida, nomeadamente no âmbito das suas estratégias para alcançar uma literacia universal, e usem o documento «Competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida (…) como um instrumento de referência(…)”.(*3)

As Competências-chave para a Aprendizagem ao Longo da Vida – Quadro de Referência Europeu constitui, assim, um anexo à supracitada Recomendação, publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 30 de Dezembro 2006/L394, “sendo definidas aqui como uma combinação de conhecimentos, aptidões e atitudes adequadas ao contexto. As competências essenciais são aquelas que são necessárias a todas as pessoas para a realização e o desenvolvimento pessoais, para exercerem uma cidadania activa, para a inclusão social e para o emprego.” (*4) São elas: 1) Comunicação na língua materna; 2) Comunicação em línguas estrangeiras; 3) Competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia; 4) Competência digital; 5) Aprender a aprender; 6) Competências sociais e cívicas; 7) Espírito de iniciativa e espírito empresarial; e 8) Sensibilidade e expressão culturais, sendo que todas elas assumem a mesma importância e muitas se encontram interligadas. Refira-se a semelhança com as áreas de competência elencadas no Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória.

Neste âmbito, a Estratégia de Lisboa, e o papel fulcral que a aprendizagem ao longo da vida assumiu como forma de construir uma Europa do conhecimento, impulsionou um maior financiamento de programas de mobilidade (2007 a 2013): Comenius (para escolas), Erasmus (para o ensino superior), Leonardo da Vinci (para estágios profissionais) e Grundtvig (para educação de adultos). O reforço da dimensão europeia e internacional da educação encontra-se subjacente a todos eles, numa lógica de promoção dos valores europeus de inclusão, de igualdade e equidade, de integração social, de multiculturalidade e respeito pela diversidade e de pertença a uma Europa que se perspetiva capaz de incentivar a criatividade, o espírito empreendedor e a inovação.

Atualmente estes programas foram substituídos por Ações e Atividades existentes dentro do Programa Erasmus+ (https://www.erasmusmais.pt/), mas os objetivos permanecem os mesmos, continuando a proporcionar aos jovens e adultos experiências e vivências inesquecíveis e enriquecedoras, bem como oportunidades de descoberta do(s) outro(s) e de si próprios.

Enquanto coordenadora de um Clube Europeu durante alguns anos, e enquanto professora de Inglês, não consigo evitar um entusiasmo especial por estes programas. Acredito verdadeiramente nos valores de uma Europa unida na diversidade, fundamentais para a construção de uma sociedade (global) mais justa, mais democrática e mais livre, e não se passa um ano letivo que não trabalhe com os meus alunos com vista a transmiti-los. Quanto à língua inglesa, idioma privilegiado na comunicação entre os países parceiros, considero que é uma forma excelente de desenvolver a competência comunicativa, em contexto real. No entanto, e por circunstâncias da vida, nunca tive qualquer experiência em programas de mobilidade, embora tivessem surgido diversas oportunidades que, por motivos vários, me vi obrigada a recusar. No entanto, há alguns anos que trabalhos em projetos eTwinning, não constituindo este ano letivo exceção.

Voltando à questão da aprendizagem ao longo da vida, penso ainda ser importante referir o Programa Operacional Capital Humano (POCH), anterior POPH, aprovado pela decisão da Comissão Europeia de 12 de dezembro de 2014, e revisto pela Decisão de Execução da Comissão Europeia de 29 de Novembro de 2018, o qual visa contribuir para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo e para a coesão económica, social e territorial, no âmbito das metas da Europa 2020. O cumprimento destas assenta na promoção do sucesso e a redução do abandono escolar, na melhoria da empregabilidade através do ajustamento das ofertas com as necessidades do mercado de trabalho, no aumento da atratividade e do número de diplomados do ensino superior, na melhoria das qualificações da população adulta e na promoção da qualidade e da regulação do sistema de educação e formação.(*5)

O investimento na ALV por parte da EU afigura-se, pois, como irrefutável, assente na premissa de uma educação de qualidade para todos: crianças, jovens e adultos. “Burro velho não aprende línguas”, dizem. Em Portugal, na Europa, no mundo do século XXI, não há ditado que faça menos sentido do que este! Façamos a apologia do douto Sócrates: “Só sei que nada sei!”, e que nunca pensemos que a educação se circunscreve a uma escola ou a uma universidade. Que nunca percamos a vontade de conhecer, de aprender, de descobrir, que sintamos sempre essa necessidade e o prazer de a satisfazer, na busca incessante por formação (formal ou não-formal), por conhecimento (“que não ocupa lugar”) e pelo desenvolvimento continuado das nossas competências e aptidões.





O Paradoxo da Educação

O paradoxo que testemunhamos hoje no que à educação diz respeito remete-me, uma vez mais, para Benedito (2007), que afirma:

Bittery (1993), considera que o taylorismo constitui uma das marcas dominantes em vários aspectos dos modos de organização da escola, como sejam, por exemplo, a existência de uma hierarquia clara, em que directores e professores com responsabilidades directivas comparam-se aos gestores industriais, os professores aos trabalhadores e os alunos a matéria-prima a ser processada (…) Martín-Moreno (1989) apresenta onze características que assemelham a organização escolar ao tipo taylorista de organização: a uniformidade curricular, as metodologias dirigidas para o ensino colectivo, os agrupamentos rígidos de alunos, o posicionamento insular dos professores, a escassez de recursos materiais, a uniformidade na organização dos espaços educativos, a uniformidade de horários, a avaliação descontínua, a disciplina formal, a direcção unipessoal e as insuficientes relações com a comunidade. (p.13)

Creio que todos nós associamos grande parte das nossas escolas a esta caracterização, a qual vai ao encontro do referido por Alvin e Heidi Toddler quando comparam as escolas a fábricas, bem como ao ensino público criticado por Ken Robinson no vídeo Changing Paradigms.
Robinson afirma, e creio que com toda a legitimidade, que as escolas vão rumo ao futuro fazendo o que faziam no passado, existindo um claro desajuste entre o sistema educativo e a época em que vivemos. Continua a existir uma educação modelada de acordo com os interesses da industrialização, estruturada à sua imagem, com escolas organizadas em filas de fábrica, toques de campainha, disciplinas “engavetadas”, um sistema organizado por idades, um currículo e uma avaliação estandardizada e uma mentalidade de linha de produção. É um sistema mecanicista, obsoleto, tal como afirmam Alvin e Heidi Toffler, que prepara as pessoas para o ontem e não para o amanhã.
Vivemos uma época de transformações vertiginosas e, sobretudo, de imprevisibilidade. Como é que podemos educar os nossos alunos à luz de um sistema educativo delineado, concebido e estruturado com base na cultura intelectual do iluminismo e no contexto económico ditado pela revolução industrial? Como pode a escola perpetuar o mito dos bons e maus alunos, dos que são inteligentes e dos que não o são? Dos que memorização e reproduzem e dos que não são capazes de o fazer? Como pode a escola manter “a formatação” em pleno século XXI? Tanto se tem falado em inclusão, em igualdade, em equidade. Contas feitas, dita a experiência que a resistência à mudança é mais do que muita…

As consequências deste sistema que teima em manter-se são de uma gravidade imensa. Por um lado, crianças e jovens entediados, a quem a escola não diz nada. Para que é que isto serve? Tal como eu, creio que também vocês, colegas de profissão, já ouviram esta interrogação milhares de vezes… Por outro lado, alunos demasiado estimulados, incapazes de manter o foco, muitas vezes chamados de “indisciplinados” ou com “défice de atenção/concentração”: a epidemia moderna, como lhe chama Robinson, para a qual a panaceia encontrada é, com frequência, uma receita de Ritalina. No caso português, e segundo Caliman & Domitrovic (2017), Embora não haja estudos sobre a prevalência do PHDA em Portugal, dados mais recentes, fornecidos pela consultora QuintilesIMS e pelo Infarmed, demonstram que também em Portugal o consumo deste medicamento tem vindo a crescer. Em 2016, mais de 270 mil embalagens foram prescritas nos serviços públicos de saúde, mais do dobro do que fora registrado em 2010, que se cifrou nos 133 mil (Margato, 2017). Estes números levaram, no ano passado, o Concelho Nacional de Educação a alertar para a medicação utilizada para supostos problemas de hiperatividade e déficit de atenção (Santos, 2017).

Voltando a Robinson, este afirma, e eu concordo, que não devíamos adormecer os nossos alunos, mas sim despertá-los para aquilo que têm dentro de si! Ajudá-los a preservar o pensamento divergente que todos possuem em criança, criar ambientes de aprendizagem colaborativa, deixá-los descobrir e orientá-los nesse percurso. Digo muitas vezes aos meus alunos que todos eles possuem um talento escondido e que se calhar apenas ainda não o descobriram…

Afinal, e voltando um pouco atrás, o que é um bom aluno? Para a escola tradicional, é o que está sentado na sua mesa, sempre atento, sem conversar com o colega do lado, é obediente, cumpre todas as regras e tem boas notas nos testes e na pauta. Para o mundo do trabalho, o “bom profissional” é muito mais do que isso: é alguém dotado de conhecimentos, sim, mas também terá de mostrar dinamismo, capacidade de comunicação, autonomia, pensamento crítico, criatividade, espírito de iniciativa e capacidade para trabalhar em equipa (cooperação/colaboração). Um cidadão revelador de um desenvolvimento pleno, integral, holístico, fruto de uma educação que se assuma como um processo contínuo de desenvolvimento tanto das pessoas como das sociedades (Delors et al. 1999:11) (…) que assenta em quatro pilares: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a viver juntos. (Gaspar, 2005: p.357) De facto, segundo esta autora, aos sistemas educativos é atribuída uma das mais importantes funções sociais que é a de promover a cidadania formando cidadãos, na plenitude deste conceito. (idem, p.360)

Importa, pois, não apenas “ensinar”, que acentua a transmissão de saberes, revela a preocupação com a aquisição de conhecimentos, mas “educar”, que tem um sentido mais abrangente pois inclui o prestar atenção ao ensino e à aprendizagem e privilegia não só a aquisição de saberes mas também a aquisição e o desenvolvimento de aptidões e competências. (Idem, p.356-57)

Jean Piaget afirmou que o principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram. Alvin e Heidi Toddler consideram que, para tal, o sistema educativo tem de ser substituído e não transformado, advogando uma perspetiva radical que defende uma rutura completa com o atual sistema educativo vigente. Confesso que esta posição me inquieta um pouco pela sua natureza que roça o fundamentalismo... Não creio que tudo esteja “errado” nas escolas. O conhecimento é importante! A memorização é importante! Tentem aprender uma língua estrangeira sem ela, por exemplo… Se calhar, por vezes, um momento expositivo faz falta em sala de aula, para dotar os nossos alunos das ferramentas necessárias à fase seguinte...

A questão é que o sistema educativo não pode alienar-se da sociedade, tendo sempre de surgir alinhado com a realidade do tempo. De facto, tal como nos diz Gaspar (2005), Os sistemas dão vida à sociedade pelo que estarão sujeitos à dinâmica da mesma (…) Se cada sistema viver exclusivamente em torno de si próprio, ele está condenado ao fracasso e contribui para o enfraquecimento da sociedade. É da cadeia dos sistemas, sobretudo da sua interacção, que resulta o modelo de sociedade. (p. 356).

Assim, e tendo em conta que uma das grandes características do nosso século assenta na tecnologia digital, não podemos construir um sistema educativo que a ela se alheie. É frequente fazerem ouvir-se vozes contra as TIC em diversos contextos escolares: não à utilização dos smartphones em sala de aula, não à rentabilização das redes sociais, não aos computadores, aos tablets e à utilização de aplicações, inibidores (segundo afirmam) do desenvolvimento de outras competências. Como se a utilização das TIC nas escolas fosse castradora do uso de outros materiais/recursos. Como se não fossem apenas mais um aliado, poderoso é certo, enquanto ferramentas na promoção da inclusão e da equidade e do processo de aprendizagem dos nossos alunos.

De facto, segundo Porto e Moreira (2017), a análise de ambientes e de ecossistemas digitais de aprendizagem permite-nos encarar a educação no ciberespaço como aberta, flexível e inclusiva. Aberta porque permite-nos ampliar a aprendizagem em larga escala, recorrendo para o efeito a recursos educativos abertos, que incluem materiais, software e aplicativos com fins educacionais e com licenças abertas. Flexível, porque a aprendizagem realiza-se com dispositivos móveis e recursos integrados e distribuídos, que permitem que esta ocorra a qualquer hora e em qualquer com smartphones, tablets ou laptops. E inclusiva, porque as redes sociais têm-se assumido como espaços de aprendizagem informal inclusivos onde todo os cidadãos, têm a possibilidade de reutilizar, reconstruir e redistribuir conhecimento. (p.15)

O grande desafio será, pois, a criação de um sistema educativo que permita o desenvolvimento dos conhecimentos, capacidades e atitudes necessárias para que cada criança de hoje, que será o adulto de amanhã, possa responder aos desafios da sociedade atual.

Benedito, N. (2007). "Modelos de Organização dos Sistemas Educativos", in Centralização de Sistemas Educativos e Autonomia dos Actores Organizacionais. Processos colectivos de interpretação das orientações centrais (Tese de Doutoramento), pp. 50-97. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. 
Disponível em http://educar.files.wordpress.com/2008/08/centalsisteduc.pdf

Caliman, L.V. & Domitrovic, N. (2017). Geração Ritalina e a otimização da atenção: notas preliminares. Coimbra: Centro de Estudos Sociais. 

Gaspar, M. (2005). Sistemas Educativos: princípios orientadores. Lisboa: Universidade Aberta.

Moreira, J. A. & Porto, C. (2017). Educação no Ciberespaço. Novas Configurações, Convergências e Conexões. Santo Tirso: WhIteBooks






sexta-feira, 29 de novembro de 2019

"O progresso é impossível sem mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes, não conseguem mudar nada." (George Bernard Shaw)

Curiosamente, ao refletir sobre a questão do impacto e do papel que as tecnologias digitais podem ter no atual paradigma educacional e na configuração dos sistemas educativos contemporâneos, deparei-me com este artigo que considero bastante interessante:


Não porque apresente algo de novo, mas porque sintetiza, de forma clara, a crise que os sistemas educativos europeus, de uma forma geral, e o português, em particular, atravessam, fruto de uma resistência à mudança num mundo em transformação.

Maria Ivone Gaspar (2005) apresenta uma tipologia de sistemas educativos, sendo que o sistema educativo português revela grandes semelhanças com o tipo latino-mediterrânico, o qual recusa as vias de estudos alternativas, valorizando o vector da homogeneidade. (p.360) Assim, e apesar das tentativas de mudança através de normativos legais, a verdade é que as escolas portuguesas ainda se assemelham, em muito, à organização taylorista, referida por Benedito (2007):

Bittery (1993), considera que o taylorismo constitui uma das marcas dominantes em vários aspectos dos modos de organização da escola, como sejam, por exemplo, a existência de uma hierarquia clara, em que directores e professores com responsabilidades directivas comparam-se aos gestores industriais, os professores aos trabalhadores e os alunos a matéria-prima a ser processada (…) Martín-Moreno (1989) apresenta onze características que assemelham a organização escolar ao tipo taylorista de organização: a uniformidade curricular, as metodologias dirigidas para o ensino colectivo, os agrupamentos rígidos de alunos, o posicionamento insular dos professores, a escassez de recursos materiais, a uniformidade na organização dos espaços educativos, a uniformidade de horários, a avaliação descontínua, a disciplina formal, a direcção unipessoal e as insuficientes relações com a comunidade. (p.13)

A publicação do Decreto-Lei nº55, do Decreto-Lei nº54, das Aprendizagens Essenciais e do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória aponta para uma busca nítida por mudança. O problema é que esta não acontece por decreto, sendo uma realidade apenas quando, como diz nos Shaw, ocorrer uma mudança de mentalidades que permita concretizar, dentro das nossas escolas, as quatro grandes linhas de força referidas no artigo: o foco nos conteúdos a dar lugar à centralidade das competências; a transição de uma cultura de resultados para uma cultura de processos; o primado da aprendizagem sobre o ensino; e a transformação da escola, em termos de organização.

Tal como nos diz Ana Mendonça (s/d), citando Fernandes:
A ineficácia que tem marcado a história educativa é, em termos estruturais, provocada por um desajuste claro entre os objectivos proclamados nas concepções e políticas enunciadas e os resultados limitados e não raro contraditórios, obtidos na sua aplicação. Podemos considerar que a legislação, só por si, não tem capacidade para alterar as reais condições do processo ensino-aprendizagem e, a este propósito, também Benavente sustenta que “a mudança da escola exige mudanças nas estruturas, nas relações e nas práticas dos actores; mudar legislação sem novas práticas não leva a mudanças significativas (…)”. Tal significa que a escola “não se transformará por simples decretos (…) é um terreno de luta em que se joga o futuro escolar e profissional de milhares (…) de crianças do nosso país (…)”. (pp.39-40)

Como poderemos desbravar esta floresta cerrada de entraves? Conseguiremos vencer esta "luta" a que se refere Benavente? O que fazer para alcançar o êxito nesta demanda? Quem sabe o recurso às ferramentas que, afinal, estão "à mão de semear", de docentes e discentes e da restante comunidade, venha a revelar-se um aliado poderoso facilitador da tão almejada convergência... a ver vamos!

Referências bibliográficas:
Benedito, N. (2007). "Modelos de Organização dos Sistemas Educativos", in Centralização de Sistemas Educativos e Autonomia dos Actores Organizacionais. Processos colectivos de interpretação das orientações centrais (Tese de Doutoramento), pp. 50-97. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. 
Disponível em http://educar.files.wordpress.com/2008/08/centalsisteduc.pdf

Gaspar, M. (2005). Sistemas Educativos: princípios orientadores. Lisboa: Universidade Aberta.


Mendonça, A. (s/d). Evolução da política educativa em Portugal.
Disponível em http://www3.uma.pt/alicemendonca/politicaeducativaalicemendonca.pdf 

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A escola que temos, a escola que precisamos, a escola que queremos

Três filmes, uma questão: a escola que temos corresponde à escola que precisamos e que queremos?

A velocidade vertiginosa com que a sociedade sofre transformações e o ritmo alucinante das dinâmicas metamórficas do século XXI, dominado pelas tecnologias digitais, não permitem a Escola que temos: cristalizada no passado, num mundo que deixou de existir, numa realidade extinta. Uma Escola que continua a perpetuar um ensino mecanicista, igual para todos, alicerçado na memorização e repetição de conhecimentos, à imagem da época da revolução industrial numa lógica de “produção em série”.

É imperioso a mudança. De mentalidades, de políticas educativas, de práticas. É fundamental que a Escola, enquanto espaço privilegiado de formação e de educação, prepare os alunos para aquela que é a imprevisibilidade dos dias de hoje e do futuro, para os desafios vindouros, para as incertezas do porvir.

Assim, o professor terá forçosamente de abandonar o papel de mero “transmissor” de conhecimentos e “reinventar-se” enquanto mentor, motivador, catalisador, apostando na inovação, de forma a permitir aos seus alunos o desenvolvimento de capacidades e competências, como a comunicação, a autonomia/iniciativa, a resolução de problemas e a consciência cultural. Terá de transformar a sala de aula num espaço dinâmico, de autoaprendizagem, onde os alunos possam desenvolver a sua inteligência emocional e vir a ser construtores das suas aprendizagens. Terá de integrar as tecnologias digitais, utilizando-as enquanto instrumentos potenciadores do aprender e do saber.

Sílvia Serrano