A questão da interpretação e regulação dos sistemas educativos reveste-se de uma imensa complexidade, obrigando a diversas pesquisas, leituras secundárias e um grande esforço de estruturação mental para conseguir organizar conceitos, ideias e timelines… isto porque, ainda que nos limitemos a um olhar sobre a Europa, a singularidade é a palavra de ordem, pois, tal como nos diz Roggero (2002), (…) como Durkheim, o primeiro sociólogo da educação, podemos afirmar que existem tantos sistemas de educação quanto de sociedades. (p.32)
Pese embora esta diversidade, são vários os autores/investigadores que apontam convergências, sendo que algumas delas giram em torno de termos como “(des)concentração”, “(des)centralização” e “autonomia”. Numa perspetiva histórica, parece ser legítimo afirmar que alguns países europeus (sobretudo no norte do continente), como a Finlândia e o Reino Unido, afiguram-se como tradicionalmente descentralizados, contrariamente a outros países, como Portugal, predominantemente centralistas.
No entanto, a partir de meados do século passado, verifica-se um desenvolvimento generalizado ao nível da educação na Europa, a que o nosso país não ficou alheio. Assim, a partir da década de 80, no campo da Educação o discurso reformista tradicional deu lugar a um discurso jurídico normativo e político, que a par das novas correntes do pensamento pedagógico e educativo, acompanha o pensamento reformista da administração e as tendências de descentralização registadas na Europa. (Ramos, 2001:55)
Foi, pois, nesta altura que o nosso país se deixou influenciar pelo espírito de uma nova cultura desvinculada da burocracia, preconizando como princípios organizativos da Administração do sistema a descentralização/desconcentração, a autonomia e a participação comunitária. (idem:25) Considera-se determinante o ano de 1986, data em que se deu início à reforma educativa através da promulgação da LBSE, passando a administração pública a assumir um novo papel, assegurando uma interligação com a comunidade, mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, das entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda das instituições de carácter científico. (idem:16) Ainda no mesmo ano, assiste-se à institucionalização do CNE, garantindo uma participação alargada de diversas forças acima referidas no que toca à política educativa portuguesa, abrindo-se, assim, um novo ciclo em que a Administração escuta os diferentes interesses pelas vias da consulta, planificação conjunta, negociação pública e outras formas não experimentadas, mas que o modelo pode induzir. (idem:50) Neste contexto de mudança, em que se perspetiva uma maior participação social, surge então um novo modelo de regulação administrativa e, consequentemente, um novo quadro de regulação das políticas de Administração da Educação. (idem:25)
O conceito de regulação reveste-se de alguma complexidade pela sua polissemia, estando, no contexto educativo, intrinsecamente ligado ao contexto (histórico, social, económico, administrativo e até linguístico). Segundo Barroso (2005a), a regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema e compreende, não só, a produção de regras (...) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras. Assim sendo, existe uma pluralidade de fontes (…), de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias. (p.733)
Conclui-se, pois, que, fruto de heterogeneidades incontornáveis, a regulação do sistema educativo não pode ser encarada como algo singular, elementar ou previsível... pelo contrário, trata-se de um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra sobre acção dos “regulados”. (idem:733-734) Assim, reconhecendo as múltiplas regulações a que o sistema educativo se encontra sujeito, não só institucionais (por parte do estado e da administração), mas de outros agentes sociais (como pais e professores, por exemplo), diz-nos o autor que o termo multirregulação será o mais acertado, sendo o resultado final consequência da interação dos vários dispositivos reguladores, tendo-se sempre em conta que Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de diferentes grupos de actores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objectivos e poderes. (idem:734)
Ora, esta complexidade e multiplicidade de processos de regulação do sistema educativo, por vezes contraditórios e incompatíveis, torna bastante improvável o sucesso de qualquer estratégia de transformação baseada num processo normativo de mudança, como são as reformas (ibidem). Daí que, muitas vezes, e porque nem tudo é alterável por decreto, se verifique um paradoxo entre o plano concetual e a praxeologia, (Ramos, 2002:44). E é precisamente esta contradição, creio eu, que deveria constituir a maior preocupação das entidades de um país que, neste momento, deseja investir na inovação, diria até numa revolução ao nível da forma de ensinar e de aprender, o cerne de todo e qualquer sistema educativo!
Numa perspetiva europeia, e apesar das características distintas inerentes aos sistemas educativos de cada país, parece existir uma conformidade no que diz respeito ao modelo de regulação das políticas educativas até à década de 80. De acordo com Barroso (2005a), o estudo Reguleducnetwork (2004), que abrangeu cinco países europeus (Bélgica, França, Hungria, Portugal e Reino Unido - Inglaterra e País de Gales), permitiu concluir a existência de um modelo de regulação comum, o modelo burocrático-profissional, o qual se baseava numa “aliança” entre o Estado e os professores, combinado uma regulação “estatal, burocrática e administrativa” com uma regulação “profissional, corporativa e pedagógica”. Ainda segundo o autor, As políticas actuais caracterizam-se por uma oposição a este modelo, dando lugar aos modelos designado por pós-burocráticos, os quais se organizam em torno de dois referenciais principais: o do “Estado avaliador” e o do “quase-mercado” e se alicerçam em características convergentes: autonomia das escolas, diversificação da oferta escolar, equilíbrio entre centralização e descentralização, avaliação externa e “livre escolha” da escola. (p.737)
No entanto, Barroso chama a atenção para o facto (evidente!) destas convergências não implicarem políticas educativas totalmente idênticas, existindo desvios a diversos níveis de acordo com a especificidade de cada contexto nacional (político, económico, social, histórico…) e que resultam da hibridação dos novos modos de regulação com a situação existente; dos processos de sedimentação legislativa e das lógicas políticas aditivas. (idem:738) Estes modelos pós-burocráticos, pela multiplicidade de atores, encerram em si a supramencionada multirregulação, sendo que o autor (2005b) considera a existência de 3 níveis: transnacional, nacional e micro-regulação (local: municípios e escolas) (p.67), com vista ao controlo de resultados e de procedimentos coexistente com um certo grau de autonomia administrativa e pedagógica e que apontam, claramente, para processos de avaliação enquanto atos reguladores dos sistema educativos.
Ref.bibliográficas
Barroso, J. (2005a). "O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas", in Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, pp. 725-751, Especial Outubro.
Barroso, J. (2005b). Políticas Educativas e Organização Escolar. Lisboa, Universidade Aberta.
Ramos, C. (2001). "Regulação dos Sistemas Educativos - O Caso Português", in Os processos de autonomia e descentralização à luz das teorias de regulação social: o caso das políticas públicas de Educação em Portugal (Tese de Doutoramento). Monte de Caparica: FCT/UNL.
Roggero, P. (2002). "Avaliação dos sistemas educativos nos países da União Europeia: de uma necessidade problemática a uma prática complexa desejável", in EccoS Rev. Cient. nº 2, v. 4, pp.31-46. São Paulo: UNINOVE.

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