segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

PISA: regulação, avaliação, orientação?

Na esfera da educação, existe claramente a necessidade da existência da regulação e de processos avaliativos que para ela contribuam, com vista à melhoria dos nossos sistemas educativos, de forma geral, e das escolas, em particular. Diria que sem ambas correr-se-ia o risco de se instalar o caos ou a anarquia, sobretudo no que diz respeito à garantia de um ensino inclusivo, com igualdade de oportunidades no acesso à aprendizagem, na lógica de uma escola de todos e para todos.

O PISA, tal como nos diz Schleicher, “é um exemplo de como um instrumento de avaliação pode despoletar a mudança” e “ajuda a regular, a avaliar, a (re)formular, a refletir e a (re)desenhar políticas educacionais.” O que me perturba é o peso, o grau de importância atribuído aos resultados desta regulação/avaliação transnacional, por vezes assentes em leituras fáceis e simplistas, sobretudo por parte dos órgãos de comunicação social que, quer queiramos quer não, são também eles elementos reguladores do sistema educativo.
 

Assim, não posso deixar de concordar com Schleicher quando nos diz que é necessária a introdução de outras formas de investigação, pois não me parece que os resultados obtidos pelos alunos sejam, por si só, suficientes para se poderem retirar conclusões consistentes sobre as tomadas de decisão necessárias no seio do sistema educativo de cada país, que terão sempre de tomar em linha de conta uma perspetiva ecossistémica de influências contextuais constantes.

Os resultados do PISA são bem conhecidos, sendo que a Finlândia foi, durante anos, apontada como exemplo a adotar pela qualidade do seu sistema educativo. Contudo, se a "receita" fosse fácil de seguir, seria simples... bastava copiar e, se possível, melhorar! Mas a verdade é não é. Os resultados de um sistema educativo não dependem apenas das escolas, nem dos intervenientes no processo de aprendizagem: "While the education system is responsible for giving students the opportunities for educational achievement, other government policies also need to be aligned to ensure student success."(1)

Tal como referido no documento "New Vision for Education: Unlocking the Potential of Technology" do WEFUSA, as diferentes conjunturas nacionais não podem ser ignoradas. Existem fatores que condicionam os resultados, tais como os contextos político, económico e social, culturalmente enraizados em anos de história. E creio que também nisto estamos todos de acordo. Será esse o problema português?

Relembro o que diz Ramos (2007). De acordo com o autor, os "fatores bloqueadores do sistema" são outros bem diferentes: "O sistema educativo português vem sistematicamente bem classificado nas tabelas internacionais no que ao investimento per capita diz respeito, mas a situação muda por completo quando o critério de classificação diz respeito aos resultados. O problema não parece residir na falta de recursos financeiros, mas sim ao nível da organização, onde problemas como a falta de estabilidade dos programas e dos corpos docentes, a escassa participação das famílias, entre outros, actuam como factores bloqueadores do sistema. Neste momento parece existir uma fractura entre a sociedade e o sistema educativo, devida em grande parte aos fracassos evidentes dos sucessivos ensaios de novas soluções e ao cansaço e descrédito público daí resultante."

O vídeo "The Finland Phenomenon" apresenta-nos precisamente uma antítese ao supracitado, sendo o sistema educativo finlandês tradicionalmente descentralizado e com uma forte aposta na autonomia e na garantia de equidade e igualdade de acesso à educação, a qual é considerada o bem nacional mais precioso, sendo valorizada pelo Estado e pelas famílias. Verifica-se ainda uma grande confiança nos profissionais da educação, na certeza de uma formação docente de grande qualidade.



Segundo a ministra da Educação Finlandesa, “Os professores são o segredo do modelo de educação", apontando os mesmos como a chave do sucesso finlandês. Além disso, destacam-se ainda as práticas pedagógicas centradas no aluno, com espaços e tempos nas escolas também para “brincar”.

(clicar para aceder)

De facto, é inegável que o sucesso do sistema educativo finlandês se encontra alicerçado na qualidade de formação dos professores. O corpo docente finlandês surge como altamente competente e motivado, existindo uma seleção rigorosa dos candidatos à docência, baseada não só na excelência dos resultados académicos mas também no perfil individual.


Sabemos que a situação é bem diferente no nosso país, pese embora, nos resultados da edição 2018 do PISA, Portugal surja como um dos países a registar uma maior evolução positiva. De referir ainda que a China assumiu neste ano o primeiro lugar do ranking, possuindo um sistema educacional que tem como características principais o rigor, a competitividade e a disciplina, sendo alicerçado numa estrutura de seleção elitista em que a pressão da avaliação é constante. É obrigatório e gratuito, a nível público, apenas até aos 15 anos, proliferando o ensino privado: um sistema educativo bem diferente do finlandês.

Qual, então, o denominador comum entre estes dois países? O investimento na educação, a formação docente, a valorização da carreira de professor e a aposta na autonomia do aluno enquanto construtor da sua própria aprendizagem.

Assim, parece-me que urge uma discussão séria, profunda e honesta sobre o futuro da educação no nosso país, sobretudo no que à carreira de professor diz respeito.

Referências
(1) OECD (2012), Equity and Quality in Education: Supporting Disadvantaged Students and Schools, OECD Publishing. (acessível em http://dx.doi.org/10.1787/9789264130852-en)

Ramos, C. (2007). Aspetos Contextuais dos Sistemas Educativos. Lisboa: Universidade Aberta.




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A avaliação dos sistemas educativos

No último post aqui publicado, referi que os modelos pós-burocráticos, pela multiplicidade de atores, encerram em si uma multirregulação, sendo que Barroso (2005b) considera a existência de 3 níveis: transnacional, nacional e micro-regulação (p.67), com vista ao controlo de resultados e de procedimentos coexistente com um certo grau de autonomia administrativa e pedagógica. 

Segundo o autor, a regulação transnacional consiste no conjunto de normas, discursos e instrumentos que são produzidos e circulam nos fóruns de decisão e consulta internacionais, no domínio da educação e que resultam, por vezes, de estruturas supranacionais como a União Europeia (p.68). Quanto à regulação nacional, entende-se como o modo como as autoridades públicas (…) exercem a coordenação, o controlo e a influência sobre o sistema educativo, orientando através de normas, injunções e constrangimentos o contexto da ação dos diferentes atores sociais e seus resultados. (idem, p.69) Já a microrregulação pode ser definida como o processo de coordenação da ação dos atores no terreno que resulta do confronto, interação, negociação ou compromisso de diferentes interesses, lógicas, racionalidades e estratégias em presença quer, numa perspetiva vertical, entre administradores e administrados, quer numa perspetiva horizontal, entre os diferentes ocupantes dum mesmo espaço de interdependência (intra e inter organizacional) – escolas, territórios educativos, municípios, etc. (idem, pp.70-71). 

Considerando o contexto educativo atual, e alicerçados num olhar (também) empírico, creio podermos afirmar que a regulação se encontra intimamente relacionada com os processos de avaliação, constituindo estes atos reguladores dos sistemas educativos. De facto, a avaliação, enquanto mecanismo/instrumento de aperfeiçoamento e de melhoria com vista ao desenvolvimento das organizações, tem vindo a assumir, em todas as áreas, inclusive ao nível das políticas públicas, uma ênfase inegável. A educação não constitui exceção a esta generalização, quer no cenário europeu, em geral, quer em Portugal, em particular. A crescente descentralização das políticas educativas na Europa conducentes a uma maior autonomia das escolas faz com que, por um lado, as organizações educativas/escolas sintam necessidade de conhecer as suas fragilidades e pontos fortes, ou seja, o seu estado ao nível do funcionamento, sendo que a avaliação pode contribuir sobremaneira para a melhoria do funcionamento da organização, ou seja para o desenvolvimento da qualidade dos serviços prestados (Chainho e Saragoça, 2014: p.27). Por outro lado, como nos diz Roggero (2002), no quadro ideológico das duas últimas décadas, a avaliação apareceu como uma exigência conduzida pela sociedade ao sistema educativo (p.38) numa lógica de accountability e em conformidade com o New Public Management, assentando a mesma em três imperativos da nova governança: o sector público deve fazer prova da sua eficácia; a comunidade tem o direito de controlar a utilização dos fundos públicos; os utentes têm direito à informação (Demailly et al, 1998:75-76) (Simões, 2010: p.25). 

Assim, em nome da eficácia e da concorrência, as autoridades políticas nacionais instalaram procedimentos de avaliação em seus sistemas educativos, tornando-se evidente a transposição e domínio da lógica do consumidor e do interesse privado para o domínio público e a substituição do utente pelo cliente (Roggero, 2002: p.33), o chamado neoliberalismo educativo, com a tentativa de criação dos mercados ou quase-mercados educativos de que nos fala Barroso (2005a) e que, em última instância, se afiguram como ameaça à igualdade e à equidade na educação. 

Voltando à questão da avaliação dos sistemas educativos nesta Europa “unida na diversidade”, diz-nos Roggero (2002) que se verificam algumas evoluções comuns, como o desenvolvimento da pré-escolarização, o aumento e a feminilização da população estudantil, o envelhecimento do corpo docente, o aumento médio das despesas com educação, a autonomização crescente dos estabelecimentos, a integração das tecnologias da informação nas práticas pedagógicas e a generalização da avaliação. (p.32) Contudo, a forma e modalidade com que esta se concretiza estará sempre relacionada com a especificidade de cada sistema. Ainda assim, o autor aponta três modelos de sistemas de avaliação educativa: o inglês, o francês e o finlandês, apesar de reconhecer que os três exemplos não bastariam para não bastariam para representar a totalidade dos sistemas de avaliação da União Européia, sendo que as suas virtudes residem no fato de que eles encarnam modelos de avaliação típicos tanto de suas modalidades quanto de sua inspiração.(p.37). Neste ponto, e tendo em conta o referido acima acerca do neoliberalismo educativo, gostaria de destacar o sistema finlandês, com o qual confesso identificar-me, e que se caracteriza pelo reconhecimento da igualdade como objetivo essencial do sistema educativo. Em outros termos, a pesquisa da eficácia da escola se julga também pela capacidade de reduzir as desigualdades sociais no acesso ao saber. (idem: p.36) 

Neste contexto, relembro os três níveis de regulação propostos por Barroso (2005b), referidos logo no início desta minha intervenção: transnacional, nacional e local, consubstanciados (também) em processos avaliativos assentes, sobretudo, em resultados (foco no produto e não no processo nem no contexto), pese embora alguns integrem variáveis contextuais relacionadas com indicadores demográficos, socioeconómicos e educacionais. 

Assim, não posso deixar de concordar com Roggero, quando este afirma: Questionado sobre as origens da economia monetária, Simmel (1987) escreveu que a faculdade de cálculo é a essência do mundo moderno – a avaliação como é geralmente praticada hoje na Europa ilustra plenamente esta asserção. Pelos indicadores essencialmente quantitativos, orienta-se a ação educativa para uma racionalização, permitindo maior eficácia. (p.39). Senão vejamos...

Creio ser possível apontar como instrumento de avaliação ao nível transnacional aquele que é considerado o mais poderoso do mundo: o PISA. Andreas Schleicher advoga que o teste possibilita “uma consciencialização dos países sobre as performances dos seus alunos relativamente aos alunos de outros países, assim como uma melhor perceção do sucesso/insucesso dos seus sistemas educativos para responderem às disparidades sociais”, referindo a “equidade na distribuição das oportunidades de aprendizagem”. Admitindo-se que assim é, a verdade é que o próprio Schleicher concede que “o teste PIZA é um instrumento da OCDE que serve para avaliar os sistemas educativos de diferentes países em redor do mundo, comparando-os entre si, de modo a alcançar-se uma compreensão mais aprofundada dos fatores e contextos que fazem com que alguns países se destaquem de outros, por apresentarem melhores resultados no que diz respeito ao desempenho dos seus estudantes na leitura, na matemática e nas ciências, assim como relativamente às competências necessárias aos seus futuros laborais.” (sublinhado meu) 
E eu questiono:

1) Como se podem estabelecer metas comuns para países que implicam realidades tão distintas, conjunturas tão diferentes, contextos culturais e económicos tão díspares? 

2) Passarão as “competências laborais” apenas pela leitura, pela matemática e pelas ciências? E as áreas das expressões? E a cidadania? E os valores? E as soft skills

Embora considere o PISA e os seus resultados interessantes, não posso evitar de o considerar algo redutor, pelo foco em variáveis mensuráveis limitadas. 

No que diz respeito ao nível nacional, surge igualmente a ênfase nos números, nos indicadores quantitativos. Relembro os exames nacionais, os rankings das escolas, as provas de aferição, a avaliação externa… independentemente das NUTS e das variáveis de contexto que, embora possam aproximar-se, jamais serão idênticas! 

Relativamente ao nível local, destaco o processo de avaliação das escolas, vulgo autoavaliação. Menos numérico, implica uma autorregulação alicerçada numa reflexão que visa a mudança, a melhoria sustentada, a superação dos pontos fracos detectados (Chainho e Saragoça, 2014:p.33) através da implementação de práticas e estratégias alinhadas com os objetivos a alcançar. 

Assim sendo, termino com um aplauso a Roggero (2002) quando este afirma que: Considerando o sistema educativo ou uma organização educativa como um sistema complexo, (…) tomamos consciência de que ele depende de sua história (re), dos relacionamentos com seu meio ambiente (eco) e de sua identidade interna (auto). Toda ação de avaliação deveria, desde já, levar em conta essas dimensões essenciais que não saberíamos avaliar unicamente por indicadores de performance. (p.43)

Referências bibliográficas:
Barroso, J. (2005a). "O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas", in Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, pp. 725-751, Especial Outubro.

Barroso, J. (2005b). Políticas Educativas e Organização Escolar. Lisboa, Universidade Aberta.

Chainho, C., & Saragoça, J. (2014). Avaliação da Qualidade das Escolas: Mecanismos de Regulação e Lógicas de Ação dos Atores Escolares. In Atas do IV Encontro de Tróia Qualidade, Investigação e Desenvolvimento, pp. 27-39 http://hdl.handle.net/10174/12577

Roggero, P. (2002). "Avaliação dos sistemas educativos nos países da União Europeia: de uma necessidade problemática a uma prática complexa desejável", in EccoS Rev. Cient. nº 2, v. 4, pp.31-46. São Paulo: UNINOVE.

Simões, G. (2010). Auto-avaliação da escola: regulação de conformidade e regulação de emancipação. Tese de Doutoramento. Lisboa: U. Lisboa - Instituto de Educação. http://hdl.handle.net/10451/3067


A Regulação dos sistemas educativos

A questão da interpretação e regulação dos sistemas educativos reveste-se de uma imensa complexidade, obrigando a diversas pesquisas, leituras secundárias e um grande esforço de estruturação mental para conseguir organizar conceitos, ideias e timelines… isto porque, ainda que nos limitemos a um olhar sobre a Europa, a singularidade é a palavra de ordem, pois, tal como nos diz Roggero (2002), (…) como Durkheim, o primeiro sociólogo da educação, podemos afirmar que existem tantos sistemas de educação quanto de sociedades. (p.32)

Pese embora esta diversidade, são vários os autores/investigadores que apontam convergências, sendo que algumas delas giram em torno de termos como “(des)concentração”, “(des)centralização” e “autonomia”. Numa perspetiva histórica, parece ser legítimo afirmar que alguns países europeus (sobretudo no norte do continente), como a Finlândia e o Reino Unido, afiguram-se como tradicionalmente descentralizados, contrariamente a outros países, como Portugal, predominantemente centralistas.

No entanto, a partir de meados do século passado, verifica-se um desenvolvimento generalizado ao nível da educação na Europa, a que o nosso país não ficou alheio. Assim, a partir da década de 80, no campo da Educação o discurso reformista tradicional deu lugar a um discurso jurídico normativo e político, que a par das novas correntes do pensamento pedagógico e educativo, acompanha o pensamento reformista da administração e as tendências de descentralização registadas na Europa. (Ramos, 2001:55)

Foi, pois, nesta altura que o nosso país se deixou influenciar pelo espírito de uma nova cultura desvinculada da burocracia, preconizando como princípios organizativos da Administração do sistema a descentralização/desconcentração, a autonomia e a participação comunitária. (idem:25) Considera-se determinante o ano de 1986, data em que se deu início à reforma educativa através da promulgação da LBSE, passando a administração pública a assumir um novo papel, assegurando uma interligação com a comunidade, mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, das entidades representativas das actividades sociais, económicas e culturais e ainda das instituições de carácter científico. (idem:16) Ainda no mesmo ano, assiste-se à institucionalização do CNE, garantindo uma participação alargada de diversas forças acima referidas no que toca à política educativa portuguesa, abrindo-se, assim, um novo ciclo em que a Administração escuta os diferentes interesses pelas vias da consulta, planificação conjunta, negociação pública e outras formas não experimentadas, mas que o modelo pode induzir. (idem:50) Neste contexto de mudança, em que se perspetiva uma maior participação social, surge então um novo modelo de regulação administrativa e, consequentemente, um novo quadro de regulação das políticas de Administração da Educação. (idem:25)

O conceito de regulação reveste-se de alguma complexidade pela sua polissemia, estando, no contexto educativo, intrinsecamente ligado ao contexto (histórico, social, económico, administrativo e até linguístico). Segundo Barroso (2005a), a regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema e compreende, não só, a produção de regras (...) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras. Assim sendo, existe uma pluralidade de fontes (…), de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias. (p.733)

Conclui-se, pois, que, fruto de heterogeneidades incontornáveis, a regulação do sistema educativo não pode ser encarada como algo singular, elementar ou previsível... pelo contrário, trata-se de um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra sobre acção dos “regulados”. (idem:733-734) Assim, reconhecendo as múltiplas regulações a que o sistema educativo se encontra sujeito, não só institucionais (por parte do estado e da administração), mas de outros agentes sociais (como pais e professores, por exemplo), diz-nos o autor que o termo multirregulação será o mais acertado, sendo o resultado final consequência da interação dos vários dispositivos reguladores, tendo-se sempre em conta que Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de diferentes grupos de actores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objectivos e poderes. (idem:734)

Ora, esta complexidade e multiplicidade de processos de regulação do sistema educativo, por vezes contraditórios e incompatíveis, torna bastante improvável o sucesso de qualquer estratégia de transformação baseada num processo normativo de mudança, como são as reformas (ibidem). Daí que, muitas vezes, e porque nem tudo é alterável por decreto, se verifique um paradoxo entre o plano concetual e a praxeologia, (Ramos, 2002:44). E é precisamente esta contradição, creio eu, que deveria constituir a maior preocupação das entidades de um país que, neste momento, deseja investir na inovação, diria até numa revolução ao nível da forma de ensinar e de aprender, o cerne de todo e qualquer sistema educativo!


Numa perspetiva europeia, e apesar das características distintas inerentes aos sistemas educativos de cada país, parece existir uma conformidade no que diz respeito ao modelo de regulação das políticas educativas até à década de 80. De acordo com Barroso (2005a), o estudo Reguleducnetwork (2004), que abrangeu cinco países europeus (Bélgica, França, Hungria, Portugal e Reino Unido - Inglaterra e País de Gales), permitiu concluir a existência de um modelo de regulação comum, o modelo burocrático-profissional, o qual se baseava numa “aliança” entre o Estado e os professores, combinado uma regulação “estatal, burocrática e administrativa” com uma regulação “profissional, corporativa e pedagógica”. Ainda segundo o autor, As políticas actuais caracterizam-se por uma oposição a este modelo, dando lugar aos modelos designado por pós-burocráticos, os quais se organizam em torno de dois referenciais principais: o do “Estado avaliador” e o do “quase-mercado” e se alicerçam em características convergentes: autonomia das escolas, diversificação da oferta escolar, equilíbrio entre centralização e descentralização, avaliação externa e “livre escolha” da escola. (p.737)

No entanto, Barroso chama a atenção para o facto (evidente!) destas convergências não implicarem políticas educativas totalmente idênticas, existindo desvios a diversos níveis de acordo com a especificidade de cada contexto nacional (político, económico, social, histórico…) e que resultam da hibridação dos novos modos de regulação com a situação existente; dos processos de sedimentação legislativa e das lógicas políticas aditivas. (idem:738) Estes modelos pós-burocráticos, pela multiplicidade de atores, encerram em si a supramencionada multirregulação, sendo que o autor (2005b) considera a existência de 3 níveis: transnacional, nacional e micro-regulação (local: municípios e escolas) (p.67), com vista ao controlo de resultados e de procedimentos coexistente com um certo grau de autonomia administrativa e pedagógica e que apontam, claramente, para processos de avaliação enquanto atos reguladores dos sistema educativos. 

Ref.bibliográficas

Barroso, J. (2005a). "O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas", in Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, pp. 725-751, Especial Outubro.

Barroso, J. (2005b). Políticas Educativas e Organização Escolar. Lisboa, Universidade Aberta.

Ramos, C. (2001). "Regulação dos Sistemas Educativos - O Caso Português", in Os processos de autonomia e descentralização à luz das teorias de regulação social: o caso das políticas públicas de Educação em Portugal (Tese de Doutoramento). Monte de Caparica: FCT/UNL.

Roggero, P. (2002). "Avaliação dos sistemas educativos nos países da União Europeia: de uma necessidade problemática a uma prática complexa desejável", in EccoS Rev. Cient. nº 2, v. 4, pp.31-46. São Paulo: UNINOVE.